No dia 9 de Dezembro realizamos o Seminário Final do Projeto FAZ DELETE, onde apresentamos os resultados do estudo e demos voz a diferentes entidades que lidam com a violência Sexual Baseada em Imagens (VSBI). O seminário teve como objetivo abrir uma discussão com base nos resultados, para sabermos a melhor forma de sensibilizar a nossa comunidade sobre este tema.
O Projeto FAZ DELETE foi essencial para dar visibilidade à violência sexual baseada em imagens no entanto, não poderia ter tido o alcance que afortunadamente teve, sem a ajuda financeira da Noruega através do programa Cidadãos Ativ@s. Deste modo, a sessão de abertura não poderia deixar de contar com os principais intervenientes deste projeto. Para abrir o seminário contamos com a intervenção de Teresa Silva, vice-presidente da REDE, Luís Madureira Pires, Diretor do programa cidadãos Ativ@s, Ellen Aabø, Encarregada de Negócios a.i. da Embaixada da Noruega.
A sessão de abertura contou também com a intervenção de Marta Silva, Chefe de Equipa do Núcleo de Violência Doméstica/Violência de Género da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Marta salientou a importância deste projeto e prometeu um futuro contacto com a REDE para desenvolver as questões da esfera digital.
O seminário teve o seu seguimento com Catarina Alves, investigadora e consultora em questões de género, que apresentou as conclusões do estudo para apresentar um enquadramento quantitativo. O estudo reporta que 95,71% das mulheres que sofreram alguma forma de VSBI sentiram várias formas de impacto sobre o seu bem-estar psicológico. No entanto, 87,54% das inquiridas revelam não ter procurado qualquer tipo de recurso. O Estudo também indica que as vítimas de VSBI acham ser importante a:
- Sensibilização e formação nas escolas
- Realização de Campanhas educativas preventivas
- Sensibilização e informação sobre estas situações
- Existência de uma lei integral de violência onde estas situações pudessem ser tipificadas
- Possibilidade de o Estado ordenar a retirada das imagens de imediato
- VSBI deveria ser considerado crime público
- Existência mais serviços públicos de atendimento às vítimas
Catarina concluiu a sua intervenção comparando a nossa legislação com a da Catalunha, onde o crime é autónomo e se insere na Lei Integral contra a violência machista para mulheres, filhas e filhos, desde 2008. Para ajudar no combate a esta violência machista existem na Catalunha 9 tipos de serviços públicos em todo o território (Informativos, de urgência, acolhimento, autonomia, pontos de encontro, grupos de acompanhamento à vítima, etc.) e cerca de 150 recursos no território/ 2000 profissionais directas sector público (Pacto Estado 500 milhões de euros).
Após um breve coffee break, demos continuação ao seminário com a participação das jovens, verdadeiras forças propulsoras deste projeto. Clara Rodrigues, técnica da REDE, inicia a discussão salientando que a tecnologia não surge da natureza mas sim das escolhas de seres humanos, de programadores e outros interessados. Por isso na esfera virtual, onde o programa é quem dita o que é possível e não é possível, este programa deverá ser feito assegurando os nossos direitos fundamentais e salvaguardando os interesses da nossa população. E caberá ao direito dar resposta quando os nossos direitos fundamentais estejam a ser violados.
Passa então a palavra a Lúcia Pestana que nos dará um enquadramento jurídico da situação atual em Portugal. Lúcia explica que no contexto português, estas práticas, a não ser quando impedem a possibilidade de a pessoa se autodeterminar sexualmente (p.e., no seguimento de extorsão, no caso do abuso sexual contra crianças até aos 14 anos e/ou no caso de pornografia infantil), não são enquadráveis no âmbito dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Estes crimes são antes entendidos como uma ofensa à reserva da vida privada, leia-se ofensivo à privacidade. Assim estas condutas são enquadráveis no crime de gravações e fotografias ilícitas art 199º CP ou devassa da vida privada art 192º CP.
No entanto, a partilha não consentida de imagens sexualizadas provoca sentimentos de impotência, a sensação de perda de autonomia sexual e controle sobre o próprio corpo, bem como um sentimento de coisificação, danos que não são devidamente acautelados pelo crime de devassa da vida privada.
Em termos de direito comparado, são vários os países que criminalizaram de forma autónoma uma ou mais formas de violência sexual com base em imagens, como Inglaterra, Itália, Espanha, Malta, Israel, Canadá, entre outros.
Importa referir que os tipos legais elencados ao longo desta exposição são crimes semi-públicos, logo, “dependem de queixa do ofendido ou de outras entidades que tenham obrigação legal em dar conhecimento ao Ministério Público do facto” (art. 49º CPP, art. 192 e 198 CP).
A autonomização do crime de violência sexual com base em imagens, além de transmitir uma mensagens de reprovação social desta conduta e de permitir às vítimas-sobreviventes identificar e nomear claramente os seus direitos lesados, permitiria também a atribuição de natureza pública a esse tipo legal.
Deram seguimento à mesa redonda Sandra Esteves e Leonor Carvalho que nos mostram as campanhas feitas no âmbito do Projeto FAZ DELETE. Estas campanhas fazem parte das 3 componentes do projeto, onde era objetivo sensibilizar as jovens através de campanhas feitas pelas jovens.
Sandra começa fazer uma análise das campanhas já feitas para sensibilização de VSBI e entenderam que não queriam:
- Campanhas culpabilizantes das vítimas como forma de prevenção
- Imagens hipersexualizadas de vítimas / mulheres passivas
- Mensagens que dão a entender que a vida da vítima está arruinada
Nas suas campanhas pretendem mobilizar jovens mulheres para exigir a tipificação da violência sexual com base em imagens como um crime autónomo e público no ordenamento jurídico português através de uma petição pública.
Leonor Carvalho segue por expor as campanhas feitas para as Escolas, local crucial para a sensibilização da VSBI não só por ser o local de formação dos e das jovens mas também por serem estas as idades mais afetadas por este tipo de violência. As campanhas têm como público alvo os professores do ensino básico e secundário e a comunidade escolar. Estas campanhas visam fornecer informação, fornecer contactos, alertar para este tipo de violência e apontar pistas para auto reflexão e posterior intervenção.
Podemos encontrar o vídeo da campanha para sensibilização das escolas aqui e o respetivo cartaz abaixo no lado esquerdo; o vídeo da campanha pela autonomização do crime de violência sexual com base em imagens aqui e o respetivo cartaz abaixo no lado direito.
Após uma magnífica Focaccia seguida de brownie e café, dirigimo-nos de volta ao auditório para ouvir uma mesa redonda com profissionais de várias áreas para discutirmos o papel das instituições em combater a VSBI.
Diana Pinto inicia a conversa expondo a importância de haver nas escolas uma educação sexual plena que ponha o foco no prazer mútuo. É preciso alertar para a esfera psicológica de intimidade e o respeito pelo consentimento. A educação deverá ser holística e cobrir os seguintes pontos:
- Infeções sexualmente transmissíveis;
- Responsabilidade partilhada;
- Capacidade de raparigas planearem o seu futuro reprodutivo (gravidez e aborto);
- Direito de viver a sexualidade de forma saudável, segura e aprazível – a condição de que o parceiro ou a parceira também o queira, não é defendido um direito absoluto ao sexo com outra pessoa);
- Informação sobre os órgãos responsáveis pelo prazer sexual masculino e feminino incluindo o clítoris.
Passando a palavra a Teresa Alvarez que congratula o projeto por vir ao encontro das recentes preocupações do CoE patente na Recomendação de 2019 sobre a prevenção e combate ao sexismo e da relevância que nessas preocupações têm as e os jovens e novas formas de comunicação e socialização através da internet e do mundo digital. Durante o seu discurso salientou também a importância de a educação lidar com a desigualdade entre eles e elas e com a normalização da ideia do corpo feminino como espaço público ao qual eles têm naturalmente direito. Referiu ainda a importância de se falar do sistema que potencia a discriminação histórica das mulheres. Sofia Pimenta, diretora do departamento da juventude do IPDJ fez menção ao apoio ao associativismo do IPDJ e como existem apoios financeiros para o desenvolvimento do associativismo juvenil.
Por último tivemos a oportunidade de saber, através de Carolina Soares, técnica de apoio à vítima da APAV e da linha Internet Segura, que nos revelou os procedimentos práticos de como agir caso tenhamos sido vitimas de violência sexual baseada em imagens. Se é certo que as campanhas não devem focar no comportamento da vítima para não a culpabilizar, também é certo que haver informação para os jovens se protegerem e saberem como agir, não deixa de ser de igual importância. Carolina informa-nos dos apoios que poderemos ter tanto pelo linha da internet segura, como pelo apoio à vítima (APAV). É importante que as vítimas de VSBI saibam quem as pode ajudar nestes momentos e que sejam acompanhadas em todo o processo de queixa contra o agressor.
O seminário termina com o discurso da ministra adjunta dos assuntos parlamentares Ana Catarina Mendes que, por culpa de uma reunião surpresa, não pode comparecer. No entanto, tiveram a disponibilidade de nos enviar a intervenção da senhora Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares por escrito, para que fosse lido em voz alta. No seu discurso, a ministra revolta-se com o elevado número de mulheres entre os 18 e os 25 anos inquiridas reconhecem ter sido já vítimas de violência sexual com base em imagens, dizem os dados recolhidos pelo projeto e ainda que 8 em cada 10 jovens mulheres foram alvo de captação de imagens íntimas não consentidas, de ameaça de partilha, de divulgação efetiva dessas imagens contra a sua vontade. Para fazer frente entende que deverá ser necessário Conhecer o fenómeno, a sua dimensão, as suas características , a relação entre a vítima e o agressor e os seus impactos; identificar as respostas existentes e as respostas necessárias neste âmbito; sensibilizar para prevenir; criar redes e comunidade, para putenciar a prevenção e a visibilidade deste tipo de violência. Deste modo, a ministra Ana Catarina Mendes congratula o projeto FAZ DELETE por incorporar todas essa funções e ser uma ferramenta essencial para o desenvolvimento da sensibilização da VSBI.
A REDE gostaria de agradecer a todas e a todos os que compareceram no seminário, em especial a toda a equipa faz delete, às nossas voluntárias e oradoras e ainda a todas as associações que ajudaram na produção deste seminário.
Podes ver também a reportagem do seminário!