Um artigo de Rui Pena Pires, a propósito de um CD no qual a mezzo-soprano Cecilia Bartoli interpreta música originalmente composta para castrati. Aqui deixamos excertos, com sublinhado nosso. O original está aqui:
(…) Esta é uma compilação de música para castrados, produzida sobretudo em Itália ao longo do século XVIII. (…) Estima-se que (…) entre 1720 e 1730, seriam castrados, anualmente, a sangue frio, cerca de 4000 jovens italianos, maioritariamente de origens sociais mais pobres. (…)3. No coração da história cultural europeia, não nas suas margens, estabeleceu-se assim uma tradição que poderia rivalizar com a da ablação do clítoris ainda hoje praticada em muitas zonas de África. (…)
4. O que ilustra algo que, por mais de uma vez, referi já no Canhoto. A história da modernidade não é a história longa de uma tradição específica que distinguiria a Europa de outros espaços civilizacionais, mas a história de uma vitória, na Europa, de um projecto civilizacional novo contra a tradição europeia.
5. Não faz por isso sentido o raciocínio de que não são universalizáveis os valores fundamentais desse projecto civilizacional novo por desadequação em relação às tradições vigentes noutras partes de mundo. Em todo o mundo, a vitória dos valores humanistas e universalistas que estão na base dos direitos humanos foi, é e será a vitória da razão contra a tradição. Como o foi na Europa.