Como era o confinamento feito pelas mulheres em Penafiel nos séculos XVII e XIX, reflexão com estudos de Sofia Fernandes.
Pelo que sabemos, na época moderna, a liberdade das mulheres era bastante limitada e circunscrita. Elas viam-se cobertas de restrições e modelos de virtude que plantavam um corte aos movimentos, confinando as mulheres em casa, cuidando dos filhos, maridos e pais. Todavia, existiam exceções, vejamos quais:
- As morgadas. Em Penafiel existiram vários morgadios criados por mulheres
- As mulheres cujos maridos migravam e tinham a sua pequena propriedade com os seus campos para cultivar
- As mulheres que ajudavam os seus pais ou maridos em vários ofícios ou que então praticavam um ofício para ajudar a sustentar o agregado familiar
- As criadas
Contudo, não nos esqueçamos que os olhos estavam constantemente postos nelas. O sexo feminino era vigiado pelos que lhes eram mais próximos e pela sociedade, pois acreditava-se que estas eram vigiadas por Deus e tinham de afastar-se do pecado original, comportando-se como a Virgem Maria. Remeto-me neste pequeno artigo ao confinamento total ou parcial em Penafiel e a quem nos referimos? Bom, às recolhidas do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição e órfãs dotadas para casar da Misericórdia. O primeiro referido foi fundado em finais do século XVII e as mulheres aí recolhidas, que podiam entrar a partir dos 12 anos, tinham regras muito severas. Estas tinham que ser donzelas, virtuosas e castas; vestirem-se de forma honesta e não podiam ter criada particular.
Após ouvirem as orações pelo padre capelão na Igreja do Recolhimento, eram encaminhadas para a portaria, dirigindo-se à porta da Clausura. O procedimento seria a candidata ajoelhar-se perante a regente que lhe faria algumas questões. Caso estas fossem do seu agrado, a noviça seria levada para o coro, onde a Regente cortar-lhe-ia os seus cabelos, lançando-lhe o hábito. De seguida, beijaria os pés a toda a comunidade, partindo para o noviciado com a mestre das noviças e da sua companheira. Durante 6 meses ela iria viver em clausura, ao fim desses, poderia ir para junto da comunidade, acompanhada pela Mestre, que daria a conhecer o seu comportamento para ser votada.
As suas vidas seriam pautadas por uma grande rigidez, tendo que cumprir horários e regras sem exceções. Algumas das regras passavam por:
- Não poderem fazer barulho ao andar
- Não podiam falar alto ou falar demasiado
- Não podiam faltar às obrigações, muito menos incumprir os horários
- Não podiam contar o que se passava na comunidade a pessoas de fora
- Não podiam entrar nas celas das outras repetidamente, de noite ou de dia
- Não podiam oferecer prendas
- Não podiam dançar ou cantar músicas que não fossem as religiosas
- Não podiam sair da clausura de dia ou de noite
- Não podiam incluir homens dentro do seu recolhimento ou da cela
- Não podiam falar das grades da igreja ou da janela para homens nem escrever cartas
Os castigos que lhes impunham caso estas não cumprissem as regras eram, por exemplo, a exclusão das mesmas, serem colocadas à saída do refeitório, deitadas com as mãos abertas e as freiras andarem em cima destas; serem confinadas às celas; só comerem pão e água; serem açoitadas. Mas o que se verifica é que elas muitas das vezes alternavam este tipo de comportamentos, ora se mostravam nuas, ora rezavam sem parar e jejuavam. Desta forma, muitas vezes os padres perdoavam-nas, culpabilizando o demónio dentro delas. Estas podiam comunicar com o exterior, porém, as exceções continuavam. Elas não podiam circular pela portaria; só podiam conversar com outras pessoas se tivessem autorização da Regente e mesmo assim, tinham de estar na presença desta; a conversa teria que ser no muro ou na roda, ser breve, e era imperativo que estivessem cobertas com um véu de linho preto; também podiam ocasionalmente falar com os pais, irmãos e tios e primos de 1º grau.
Frei Bernardo de Santa Maria relata vários desvios a estas regras, desde elas se deslocarem às janelas ou aos muros e falarem com vários homens, irem para as igrejas com enfeites na roupa, despirem-se e estarem nuas no templo, tentativas de suicídio, rirem-se sem parar, etc. Outro grupo de mulheres que viam as suas liberdades serem sugadas eram as órfãs dotadas para casar pela Misericórdia. O que lhes era exigido era que fossem órfãs entre os 15 anos, donzelas, virtuosas e pobres e não podiam estar apalavradas para casar. Após estas fazerem petição, seguia-se as informações sobre as meninas na sua vizinhança, de forma a verem se elas tinham realmente um comportamento exemplar. Caso isso se verificasse, iam a votos e durante esse tempo, elas tinham de ter os cuidados para não serem faladas pelo povo. Vejamos que só o facto delas serem extrovertidas, rirem-se muito alto ou até conversarem com rapazes podia ser motivo para serem excluídas. Deste modo, Sofia Fernandes conclui dizendo que estas mulheres estavam confinadas e viviam subjugadas a regras muito rígidas, sendo elas culpabilizadas só por terem nascido mulheres.
por Francisca Vieira