Cyberflashing, dick pics e as novas configurações do falocentrismo

(ou “guardem as vossas pilas, não as queremos ver”)

O que leva um homem a enviar, de forma não solicitada, imagens do seu pénis a uma mulher desconhecida? Quais as motivações e expectativas para o envio das chamadas dick pics? E como reagem as mulheres ao envio destas imagens não solicitadas?

Estas perguntas, ainda que recentes, têm sido progressivamente respondidas nos contextos científicos e jornalísticos, sobretudo no Reino Unido. Por exemplo, o extenso trabalho jornalístico de Sophie Gallagher revela testemunhos de diferentes mulheres – algumas muito jovens – que receberam dick pics em diversos contextos: nas escolas, nas redes sociais, nos aplicativos de encontros. Somam-se os relatos de mulheres que descrevem o desconforto, a insegurança, a repulsa e a sensação de invasão ao receberem dick pics. Pelo contrário, homens que enviam dick pics não solicitadas referem diversas motivações, como a expectativa de retorno no envio de fotografias íntimas, gratificação sexual, e a expressão de poder e controlo sobre as mulheres.

O envio não consentido e não solicitado de fotografias de pénis ou vídeos de masturbação masculina é uma forma de assédio online, designada como cyberflashing. A investigação demonstra que perpetradores podem ser desconhecidos, conhecidos, colegas ou amigos das mulheres que são alvo deste tipo de comportamento abusivo.

Várias autoras definem o cyberflashing como o equivalente digital do exibicionismo, replicando e reciclando o imaginário do desconhecido de gabardine que exibe o seu pénis. Contudo, muitos dos homens que enviam fotografias não solicitadas de pénis não exporiam os órgãos genitais no meio da rua: por que o fazem no online? A perceção de anonimato e impunidade no online potencia um certo efeito de desinibição – oferecendo um novo fôlego ao sexismo.

O assédio sexual online é ainda tratado com ligeireza, como se de uma brincadeira inconsequente se tratasse. (Não surpreende: esta é a forma com que tantas vezes tratamos também o assédio de rua, ridicularizando-lhe a importância, os impactos e a ofensa que constitui à liberdade das mulheres).

O cyberflashing é, como sublinham Clare McGlynn e Kelly Johnson, uma intrusão sexual, rotineira e banalizada. Tal como o assédio de rua, o cyberflashing tem de ser enquadrado num contexto mais lato de violência contra as mulheres, de invasão da sua esfera privada e da sua liberdade sexual. É (mais) uma expressão de poder e privilégio sexual masculino, numa cultura saturada de imagens e representaçoes de pénis e onde as vulvas parecem não existir. Os meios (sociais e tecnológicos) mudam, mas a visualidade falocrêntrica – e o pénis como símbolo de poder – permanecem.

Neste contexto, têm surgido diversas respostas de índole humorística: por exemplo, a Cosmopolitan publicou um artigo com sugestões de respostas “geniais” a dick pics não solicitadas, fazendo uso do gozo e da ironia. Em 2016, a instalação artística “I Didn’t Ask For This: A Lifetime of Dick Pics”, da artista feminista Kidd Bell, expos uma coleção de mais de 150 fotografias de pénis.

Sei que rir pode ser uma arma e acredito no humor como forma de resistência política – mas temo que, neste contexto, o humor não nos baste. O assédio online exige uma atenção política séria, que não dependa de respostas – ainda que subversivas – individuais. É absolutamente necessária uma conscientização do ilícito de qualquer forma de assédio, online e offline. A mensagem tem de ser inequívoca: o que não aceitaríamos na rua, também não aceitamos online.

Por fim, uma palavra para os homens (já sabemos, não todos os homens – apenas para aqueles (ainda muitos) que enviam ou enviaram imagens não solicitadas dos seus genitais): não há nada de sexy, apelativo ou excitante em ver imagens de genitais não solicitadas. Como disse Helena Ferro de Gouveia, com o humor desarmante que a caracteriza: “Guardem as vossas pilas, não as queremos ver”.  

Maria João Faustino