No modelo patriarcal de subjugação em que vivemos a violência sexual é por vezes naturalizada, legitimada e, inclusive, utilizada como um instrumento de perpetuação e manutenção da hegemonia masculina, estando a serviço desse sistema como uma forma de desempoderar as mulheres que desafiem essa estrutura hierárquica e arcaica de poder ao deixá-las em estado de medo e vigilância constante, restringindo sua independência ao limitar sua autonomia e liberdade (inclusive a liberdade sexual).
Ou seja, a violência sexual é uma violência de gênero. Um comportamento desencadeado pela desigualdade, tendo no elemento cultural seu grande sustentáculo, em um contexto onde essa naturalizaçāo se dá devido a narrativas limitativas de gênero, tendo a misoginia e o sexismo enquanto pedras angulares que permitem que a “cultura da violaçāo” floresça. Assim, aponta-se a fragilidade das explicações da discriminação feminina baseada em diferenças biológicas – o “eterno feminino” abordado por Simone de Beauvoir – e demonstra-se que essas explicações são resultado de construção social, e não de um processo natural de subordinação da mulher.
Em se tratando especificamente da Violência Sexual Baseada em Imagens, diante da crescente intersecção entre tecnologia e sexualidade e do surgimento de novas formas de interação e violência sexual perpetradas com recurso a novas tecnologias, podemos aferir que essa violência atua como uma nova forma de dominação em um novo contexto social. Isso ocorre tendo em vista que o patriarcado se reinventa de acordo com os núcleos de subordinação de cada contexto histórico, se adaptando ao mudar a linguagem, mas mantendo os significados. Ou seja, o que se vislumbra é uma reinvenção da subordinação diante de uma nova realidade, diante dos novos agentes de construção e reconfiguração dos significados sociais.
Assim, a violência contra as mulheres não é apenas uma manifestação de desigualdade de gênero, mas sim um instrumento para manutenção dessa assimetria. Um método de controle das mulheres através da subjugação (muitas vezes literal) de seu corpo ao corpo do homem, de abafamento da voz e do poder da mulher, sujeitando-a à égide do patriarcado e desencorajando-a na luta por mudanças.
Nesse sentido, Michel Foucault em seu livro “Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões”, traz o que ele chama de “corpos dóceis”. A obra é um esboço sobre os sistemas prisionais, mas, mutatis mutandis, poderíamos nos utilizar do mesmo argumento como metáfora para a cultura da violaçāo nas sociedades patriarcais e para os corpos das mulheres, que se encontram vigiadas na sua maneira de vestir-se, comportar-se e expressar-se. Na sua maneira de existir.
Corpos vigiados por panópticos (mecanismo de controle do comportamento dos presos através de uma estrutura arquitetônica especialmente desenhada para tal) de carne e osso, e, em se tratando da Violência Sexual Baseada em Imagens, panópticos também digitais, de olhos que não se vêem. E, caso transgridam os padrões impostos por estes, serão punidas, cujo paroxismo dessa punição é a violência sexual e, ainda, a culpabilizaçāo pela propria violência sofrida. Uma forma de aprisionar os corpos femininos na tentativa de domesticá-los, de torná-los dóceis.
As prisões é que sāo outras.
Ana Luiza Tinoco