Será que algum homem homossexual já ouviu uma mulher na rua a dizer-lhe “O que te faz falta é uma mulher a sério!”?
Não estou certa, por outro lado, é certo que todas as mulheres lésbicas já ouviram, pelo menos uma vez (quem nos dera que fosse só uma vez), um desconhecido oferecer-lhes o reverso desta sugestão. Sugestão esta que é não solicitada e dirigida a um problema que nunca existiu.
Há alguma coisa num casal de mulheres que parece dar a entender aos outros que este casal está incompleto, ou que lhes falta algo. Pois… O que será que as pessoas parecem achar que falta? Será que lhes falta amor? Será que lhes falta felicidade? Não, não, não é isso… Já sei! Decerto que lhes falta um homem e o seu aparato!
Há algo de extremamente arrogante e presunçoso quando um desconhecido nos vem dizer o que nos faz falta ou o que nós somos realmente. Por exemplo: “Tu não és realmente lésbica, és demasiado feminina”; ou “Tu só achas que és lésbica porque nunca experimentaste estar com um homem”. Será que, por ventura, eles experimentaram estar com um homem?
Esta presunção de incompletude demonstra uma presunção de superioridade, em que os homens representam o + e as mulheres o -. E, de acordo com esta ideia, o que seriam duas mulheres juntas senão – com -? “São as leis da química!” – Dizem-nos.
Isto traduz-se na ideia de que os homens têm uma presença e as mulheres uma ausência que, por sua vez, só se completaria com a presença de um homem. Esta ideia impostora vem desde a mais tenra idade, quando os órgãos sexuais se começam a tornar evidentes nas raparigas e nos rapazes. Perante este desenvolvimento inesperado, até ao qual eles permaneciam iguais, o primeiro reflexo de muitos rapazes é o de gozar com a rapariga, pois ela não tem aquela presença que ele tem. Muitos dos problemas do mundo começam numa premissa errada…
A importância dada ao órgão sexual masculino estende-se desta tenra idade até à idade adulta, não só nos homens, mas também em muitas mulheres e na sociedade em geral. Sociedade esta que pouca importância concede ao sexo lésbico, quase como se não se tratasse de sexo mas de uma sessão de massagens. A ausência do membro masculino parece retirar-lhe importância e seriedade aos olhos da sociedade. Consequentemente, ficam por discutir muitos temas importantes para a saúde e proteção no sexo entre mulheres. Muitos defendem que sexo sem penetração não é sexo, por isso, nem vale a pena ser discutido, pois não acarreta riscos. Mais uma vez, deparamo-nos com uma premissa errada – o sexo lésbico tem penetração, simplesmente não é a penetração por um órgão sexual masculino.
Para correr o risco de contrair uma doença sexualmente transmissível basta que haja uma troca de fluidos corporais. Esta troca pode ocorrer em sexo oral, no toque entre os dois órgãos genitais femininos, na partilha de brinquedos sexuais, na utilização da mesma mão em si e na parceira. Para prevenir infeções e garantir que o sexo é seguro é necessário que haja divulgação da informação não só de como contrair as doenças mas, também, dos tipos de proteção que podem ser utilizados no sexo entre mulheres. Para além da informação inexistente, há também uma escassez deste material de prevenção, como os dental dams que, na melhor das hipóteses, podem ser encontrados nalgumas raras sex shops. Esta informação precisa de ser divulgada e, para isso, precisamos de desconstruir a ideia do sexo lésbico como algo ingénuo, superficial e livre de riscos.
Precisamos, igualmente, que parem de ver um casal lésbico como alguém que precisa de um homem. Um casal de mulheres lésbicas não é um convite à participação masculina, é o oposto. Precisamos que homens parem de se sentir ameaçados por haver, neste mundo, uma união para a qual não são bem-vindos. Aquilo que nos faz falta, na realidade, é mais respeito e mais orgulho feminino.
por Sofia Jesus [Técnica de projeto do dMpM4 (Centro)]